A ilusão do controle

Confundir controle com responsabilidade é comum. Responsabilidade é responder pelo que se faz sabendo que há resto. Controle, ao contrário, tenta eliminar o resto — o imprevisto, a falha, o desejo do outro. A responsabilidade inclui limites; o controle não tolera limites.

Quando o controle vira sintoma

Em muitas queixas clínicas, o controle aparece como tentativa de anestesiar a angústia:

  • Perfeccionismo/procrastinação: adia-se indefinidamente porque nada “está à altura”; o ideal de perfeição controla o gesto.
  • Rituais e checagens: listas que se multiplicam, recontagens, revalidações, “só mais uma conferida”.
  • Hipervigilância sobre o corpo: medir passos, calorias, batimentos… quando o dado vira juiz do sentir.
  • Controle do outro nas relações: “se o outro fizer exatamente assim, eu fico bem”. Resultado: sufoco e ressentimento.
  • Burnout: o comando interno “não posso falhar” empurra o corpo além da conta, até que o corpo “controla” de volta (parando).

Em todos os casos, o objetivo declarado é prevenir sofrimento; o efeito concreto é produzir mais sofrimento. O controle promete imunidade ao real e nos cobra caro em ansiedade.

O papel da ilusão “boa”

Nem toda ilusão é patológica. No desenvolvimento, precisamos de espaços de ilusão (Winnicott) para criar, brincar, experimentar. A diferença é que, na ilusão boa, sabemos — ainda que implicitamente — que é um “como se”; na ilusão do controle, esquecemos disso e tentamos impor o “como se” ao mundo e às pessoas.

Tecnologias, métricas e a nova liturgia

Os aplicativos não são vilões; eles só amplificam uma tendência: ter cifras no lugar de símbolos. Símbolos acolhem ambiguidade; cifras reclamam precisão. Quando tudo vira métrica, o sujeito se encolhe para caber em gráficos. A clínica oferece outro tipo de contabilidade: a dos significados, que não se mede, mas se elabora.

O que buscamos realmente quando queremos controlar?

Três garantias imaginárias costumam aparecer por baixo do controle:

  1. Previsão: “se eu prever, não sofro”.
  2. Certeza: “se eu tiver certeza, não erro”.
  3. Garantia: “se eu garantir, o outro não me falta”.

A análise desmonta a exigência de garantias impossíveis e sustenta um saber-fazer com a falta, condição para desejar sem escravizar-se.

Do controle à autoria: o que muda na clínica

Na experiência analítica, o convite não é “perder o controle”, mas deslocá-lo: do mundo (incontrolável) para a palavra (trabalhável). Em vez de lutar contra o imprevisto, o sujeito aprende a fazer algo com ele. Algumas viradas que costumam acontecer:

  • Do ideal ao possível: trocar o “perfeito” pelo suficientemente bom (o bastante que permite viver e criar).
  • Do cálculo ao encontro: aceitar que o outro não é planilha, é alteridade.
  • Da vigilância ao cuidado: substituir punição automática por escuta de si.
  • Da repetição ao gesto: interromper circuitos automáticos com pequenos atos decididos por desejo e não por medo.

Pequenos exercícios de reflexão (não são “técnicas”)

  • Nomeie o incontrolável: em uma situação de tensão, liste o que depende e o que não depende de você. Autorize-se a agir só no primeiro campo.